A propósito do artigo de Carlos Dias sobre o nome indígena, pré-romano, de Beja, coloquei ontem - 27set 2015 - no mural do facebook, em Leonel Borrela, duas pequenas observações sobre o assunto, dado que já por diversas vezes o abordei noutros locais e tem pleno cabimento neste blogue:
Será que a condenação da memória histórica de uma cidade ou de um cidadão, nada diz à ciência? - "Damnatio Memoriae"! Quantas vezes Roma, e não só, praticou este esquecimento obrigatório, impondo severamente o silêncio sobre a identidade, o nome e os feitos de quem a combatia com temeridade. Roma não perdoava a desobediência e é de crer que tenha proporcionado um castigo exemplar a quem não se lhe queria subjugar. Um homem, um grupo ou uma cidade... O que teria de facto acontecido? Esperemos que a ciência arqueológica possa trazer à superficie a razão por que se desconhece o nome da cidade da paz, da cidade que em nome da paz e de Júlio César, terá sido obrigada a repudiar o seu próprio nome, sob pena de maior sofrimento. Conistorgis ou Ges, ou outro nome qualquer, tanto faz, desde que se prove que já existia... e que Roma a temia. - LB
Claro que não disse tudo no pequeno texto/justificação da questão "Porque é que todas a cidades têm nomes indígenas e Beja Não?". Nem poderia dizer, pois não sei, mas, das cidades que ainda osconservam poderei deduzir que se portaram bem perante o invasor. Ter-lhe-ão dado alguma luta, mas renderam-se, tendo como prémio, pelo menos, a preservação do seu nome indígena. Não se deve ter tratado de cobardia, mas, talvez, de bom senso. Contudo, há quem ferva em qualquer quantidade de água e não torce, não se ajeita, mas quebra e, é aqui, que, "doa a quem doer", entra Beja e a que parece ser, ainda hoje, a razão do seu ostracismo, da paradoxal existência do seu não lugar... tendo tudo de quase tudo e parecendo nada ter. - Abraço forte,meus amigos e amigas, LB
domingo, 27 de setembro de 2015
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Um Arco Triunfal romano entre as ruas dos Infantes e do Touro?
Um Arco Triunfal
romano entre as ruas dos Infantes e do Touro?
Não é novidade esta abordagem ao património arqueológico romano da
vetusta Pax Júlia[1]. No artigo anterior
destacámos a singularidade do grande capitel adossado compósito/coríntio,
descoberto, em 1982, n”Os Infantes”, na rua dos Infantes nº 16. Comparámo-lo ao
capitel compósito de coluna, pilastra e meia coluna, da porta romana de Adriano
(séc. II), na cidade de Éfeso, Turquia, desenho que agora reproduzimos para que
se possa compreender melhor a tentativa de reconstituição que apresentamos de
um provável Arco de Triunfo que estaria situado no extremo nascente do fórum de
Pax Julia. O contexto arqueológico em que nos baseamos é composto pelos
elementos arquitectónicos romanos encontrados entre as ruas dos Infantes (1),
do Touro nº15 (2 e 3) e da Torrinha (4), da abside de S. João (5) e das portas
medievais de Aljustrel (6). Não há espaço suficiente para reproduzir neste
artigo as fotos ou desenhos de todos os achados, mas vamos recordá-los numa breve
descrição com a ajuda da planta parcial da cidade.
Do centro da planta, em 1, é proveniente o grande capitel adossado
compósito/coríntio, constituído por dois blocos sobrepostos, datável segundo
Alarcão (1986, 82)[2] e Antonieta Ribeiro (1999,
145-160)[3] do
final do século I ou inicio do II, realçando o professor a relação estilística
e até temporal com o Arco de Triunfo de Tito, em Roma, também do final do
século I, embora venha a atribuir a um templo ou a uma basílica a utilização dos capiteis compósitos,
conforme a sua dimensão. Portanto, em 1,
além do grande capitel, encontrou-se um outro de coluna com a altura de 60 cm , da ordem coríntia, com
folhas lisas (exposto ao lado do balcão do ex-café-concerto “Os Infantes”),
datado do final do século III (RIBEIRO, 1999, 181-185), enquanto na sala
“subterrânea”, onde foram descobertos, subsistem o troço de um fuste liso com
cerca de 85 cm
de diâmetro e estruturas de opus quadratum aparentemente in situ; em 2, na rua do Touro, recolheram-se, em Agosto de 2005,
próximo dos números de polícia 15 e 13, um capitel de folhas lisas coríntio,
semelhante ao d “Os Infantes” e uma cabeça de Touro muito bem cinzelada
(salvaguardadas no castelo), semelhante às duas que se encontravam embutidas na
abside da igreja de são João Baptista (5), actualmente expostas no Museu
Regional; em 3, na rua do Touro e em 6, nas portas medievais de Aljustrel,
encontraram-se os outros dois grandes capitéis compósitos de coluna, também
expostos no museu regional e, por último, em 4, no inicio da parte superior da
já desaparecida rua da Torrinha, dois grandes fragmentos de cornija, de
trabalho plástico semelhante ao dos capitéis compósitos.
Julgamos que, além da evidente relação de proximidade entre os achados -
o mais distante, encontrado às portas de Aljustrel, é o capitel compósito menos
bem conservado, adaptado a grande pia (devem-no ter levado a rebolar, desde o
extremo do fórum, até ao local da sua última aplicação) - há também uma
afinidade plástica na sua elaboração.
Igualmente, a toponímia do Touro e os achados respectivos – cabeças de
touro (incluindo as que estavam na abside da igreja, orientada para a rua do
Touro, aparentemente uma das vias principais, o Decumanos, da cidade romana),
capitel coríntio de folhas lisas e o capitel compósito – revelam um contexto
arqueológico de grande importância já denunciado pelo pároco de S. João
Baptista, Pedro Pires Nolasco, em meados do século XVIII, quando afirmava que
só na sua freguesia havia tantas coisas antigas, como as colunas do arco de cruzeiro
da igreja, as cabeças de touro, fustes, etc.
Dada a relação contextual que propomos para estes espécimes
arqueológicos, há que acertar a datação dos capiteis coríntios de folhas lisas,
associados às cabeças de Touro, às cornijas e aos capitéis compósitos e
compósito/coríntio, para o final do século I da nossa era, cronologia do
grandioso monumento romano a que provavelmente pertenciam.
A título de curiosidade e, pelo menos, para que se recorde, nestes dias
de grande afã arqueológico[4], em
Beja, localizamos na planta parcial, em baixo, à direita das portas romanas de
Vipasca (antiga rua do Buraco, do Muro Baixo e actual dr Brito Camacho), umas
estruturas romanas, formadas por grandes blocos almofadados sobrepostos, que
nos parecem ser os pés direitos de outra porta pacense[5].
Leonel Borrela
[1] Desde 1983,foram vários os
artigos que publicámos sobre achados arqueológicos e tentativas de
reconstituição arquitectónica de Pax Júlia, nomeadamente na rubrica
“Iconografia Pacense” , in Diário do
Alentejo de 15 de Janeiro de 1983;
22, 29 Setembro e 13 de Outubro de 1995; 30 de Junho e 7 de Julho de 2006; 17 de Julho de 2009,
entre dezenas de outros, consultáveis através do banco de dados da Biblioteca
Municipal de Beja José Saramago.
[2] ALARCÃO, Jorge de –“Arquitectura
romana”, in História da Arte em Portugal,
Lisboa: Publicações Alfa, 1986. Vol.1, p82
[3] RIBEIRO, Maria Antonieta
Brandão S. – “Capiteis romanos de Beja”, Beja: CMB, 1999.
[4] Decorre o Colóquio
“Beja/Imagens da cidade antiga”, entre 9 e 10 de Fevereiro de 2012.
[5] “Porta romana inédita em Beja” in Diário do Alentejo ,27 de Outubro de
2006.
O grande capitel adossado compósito/coríntio de PAX IVLIA e a sua contextualização arqueológica
ICONOGRAFIA PACENSE
O grande capitel adossado compósito/coríntio de PAX IVLIA e a sua
contextualização arqueológica
Espécime único do espólio arqueológico do Museu Regional de Beja (MRB), o
grande capitel adossado compósito/coríntio
(designação nossa) d”Os Infantes”, constituído por dois blocos marmóreos
sobrepostos, com as dimensões máximas de 1m de altura, por 1,7m de largura e
1,6m de profundidade, é não só um dos maiores capiteis do Império Romano como
associa, esculpidos no mesmo elemento arquitectónico, as ordens compósita e a
coríntia, particularidade que lhe confere maior raridade. Desde a sua
descoberta fortuita, em 1982 - com artigo nosso publicado neste jornal, em 1983[1],
levantamento desenhístico, fotográfico e acompanhamento permanente até à sua
exposição pública nas arcadas exteriores do MRB - que dedicamos uma atenção
especial não só ao seu contexto arqueológico como também a todos os achados que
antes ou depois se realizaram nas proximidades.
Como veremos, as características dos diferentes achados, situados entre
as ruas do Touro, dos Infantes, antiga da Torrinha e abside da igreja de S.
João Baptista[2], aliadas às referencias
setecentistas sobre a quantidade e qualidade dos materiais encontrados,
permitem-nos avançar, seguramente, para algo de comum entre a maioria deles. Os
dados não mentem. Se na rua dos Infantes nº 16, em 1982, além do supracitado capitel,
se encontrou um outro, coríntio de folhas lisas, semelhante ao que, também
fortuitamente, se descobriu, em Agosto de 2005, na Rua do Touro, logo seguido
de uma espectacular cabeça de touro, semelhante às duas que se expõem no MRB,
provenientes da abside de S. João, à da torre sineira camarária e a uma outra
mais mutilada embutida numa torre da muralha da rua capitão João Francisco de
Sousa, na mesma freguesia, a somar ainda a um fragmento significativo de outra
cabeça similar, oriunda do antigo Paço Episcopal, em Maio de 1995, parece haver
um fio condutor a ligar todos estes elementos provavelmente num programa
construtivo. No local onde se descobriu o grande capitel adossado
compósito/coríntio, lá ficaram in situ blocos aparelhados, justapostos, do que
poderá ser parte do pódium do edifício que o integrava, ao lado subsiste um
grande fragmento de fuste liso com cerca de 85 a 90cm de diâmetro
(semelhante ao do MRB), cuja função seria a de suportar um capitel pleno, de
coluna, portanto, talvez, um dos grandes capiteis compósitos como os dois
encontrados na Rua do Touro e nas Portas de Aljustrel (também expostos no museu).
A somar a estes elementos arquitectónicos, conserva o MRB duas grandes cornijas
encontradas na rua do Touro[3],
assim como restam ainda na praça de armas do castelo alguns troços de maior
dimensão de um entablamento com trabalho de cinzel semelhante. Em suma, o
edifício que integrasse o todo ou somente uma parte deste espólio, deveria ser
grandioso, significativo dada a grandeza dos elementos utilizados,
provavelmente um Arco de Triunfo, cuja tentativa de reconstituição já
ensaiámos, posicionado no extremo leste do fórum. Contudo, esse ensaio integrou
somente os capiteis compósitos, compósito/coríntio, as cabeças de touro como
elementos de friso e as cornijas, além dos fustes e há outras possibilidades de
“encaixe” destes elementos e dos capiteis coríntios de folhas lisas, se não num
Arco de Triunfo, pelo menos num edifício ainda não identificado, a Cúria ou o
Capitólio.
Do templo recentemente redescoberto - nas prospecções do fórum romano
realizadas por Conceição Lopes, avaliado como um dos maiores da península
hispânica, para grande satisfação dos bejenses e da importância histórica de
Pax Júlia - é que não devem ser os elementos que referimos, cujo contexto nos
parece, até pelo seu estado de conservação, substancialmente diferente. Não é
de estranhar a “limpeza” que durante centenas de anos tomou conta da pedreira
em que os vindouros (nomeadamente desde a ocupação islâmica à presença cristã,
de Leão e portuguesa) transformaram a envolvência do templo, pois muito deve
ter sido o que se construiu e destruiu, desde a muralha aos edifícios
religiosos e civis, num tempo em que a cidade mudava de mãos com frequência.
Regressando ao capitel compósito/coríntio, no propósito de mostrar ao
leitor, não uma nova tentativa de reconstituição da sua funcionalidade, que
ficará para a próxima semana, mas um edifício real onde um capitel totalmente
compósito, com características algo semelhantes, assenta sobre pilares e
colunas, integrando a Porta de Adriano em Éfeso, na Turquia. A partir daqui
podemos imaginar melhor a monumentalidade do edifício romano de Beja então
existente entre as ruas do Touro e dos Infantes.
Para finalizar, o grande capitel bejense apresenta pormenores notáveis na
sua concepção, além de juntar dois estilos distintos, o compósito e o coríntio,
distintos até na proporção adequada a cada uma das ordens arquitectónicas. A
compósita é a de maior notoriedade, numa espécie de barroco romano, maior
volumetria e expressão plástica, tudo é grandioso, para se ver de longe,
frontalmente, na parte da pilastra adossada, enquanto o meio capitel, à
esquerda, expande e horizontaliza os óvulos do equino para que se possam
observar de um ângulo inferior, mais próximo (detalhe que nos ajuda a perceber
melhor a sua posição quase exacta no edifício); por outro lado, a economia de
meios, própria da praxis romana, permite que se ganhe tempo e dinheiro,
deixando somente esboçados, por vezes lisos, os pormenores que não se
distinguem do solo. Do lado coríntio, o capitel de pilastra adossado tem menor
altura, correspondendo a uma área de proporção diferente, como dissemos, no
mesmo edifício, apresentando também, próximo da junção com os blocos de encaixe
na parede, elementos decorativos, folhas, caules, hélices, rosetas, por concluir, dada a penumbra que no
local de origem os envolvia. Esclarece-se também o leitor que este
extraordinário capitel é datável do final século I d. C. , da dinastia dos
Flávios, conforme cronologia proposta por Antonieta Ribeiro[4].
Nota: Publicado no jornal Diário do Alentejo em 3 de fevereiro de 2012.
Leonel Borrela
[1] BORRELA, Leonel –“Os
capiteis romanos da rua dos Infantes”. In “Diário do Alentejo” de 15 de Janeiro
de 1983; “Restos Monumentais de Pax Júlia (IV), In “Diário doAlentejo” de 8 de
Maio de 1998;
[2] BORRELA, Leonel – “Igreja
de São João Baptista I, II e III”, in Diário
do Alentejo de 22 e 29 de Setembro e 13 de Outubro de 1995; “Iconografia
Pacense” - Exposição Documental do autor realizada, no Museu Regional de Beja, entre
Dezembro de 1995 e Janeiro de 1996. Edição de pequeno folheto.
[3] VIANA, Abel – “Notas
históricas, arqueológicas e etnográficas do Baixo-Alentejo”. In”Arquivo de Beja”.
Beja: CMB, 1956. Vol. XIII, p.146-147.
[4] RIBEIRO, Maria Antonieta
Brandão S. – “Capiteis romanos de Beja”. Beja: CMB, 1999. pp.145-160
sábado, 26 de maio de 2012
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
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quarta-feira, 20 de julho de 2011
O último grande edifício romano de Beja I
“O último grande edifício romano de Beja” é um título que por certo vai despertar a curiosidade dos nossos leitores, porém, ele transporta, além dessa sedução, a responsabilidade de num pequeno texto tentarmos discorrer sobre uma hipótese de reconstituição arquitectónica que nos parece viável.
Neste estudo vamos abandonar os capitéis coríntios com representação de folhas de acanto naturalistas, isto é, todos aqueles que apresentam as folhas recortadas e polilobuladas. Referimo-nos sempre aos capitéis maiores, todos em mármore de Trigaches, com cerca de 90 a 105 cm de altura, os quais Antonieta Ribeiro [1] data desde o século I ao II d.C..
Cingir-nos-emos aos seguintes elementos arquitectónicos: aos capitéis coríntios de folhas lisas, especialmente a dois deles [2], um, encontrado no restaurante “Os Infantes”, da rua dos Infantes, em Dezembro de 1982, datado do século III d. C. (RIBEIRO, 1999, 181-185) e o outro, similar, ainda inédito, encontrado na rua do Touro, em Julho de 2005; ao grande capitel compósito/coríntio (caracterização nossa), constituído por dois blocos, também descoberto n”Os Infantes” [3] , em Dezembro de 1982, datado do final do século I ou início do II (RIBEIRO, 1999, 245-256)[4] e à, ainda inédita, cabeça de Touro [5], da rua do Touro, descoberta no mês de Agosto de 2005. Aliamos a estes elementos o fuste fragmentado e liso, de 90 cm de diâmetro por cerca de 180cm de comprimento, que jaz na cave d “Os Infantes” acompanhado de parte de uma estrutura, in situ, de blocos graníticos bem aparelhados, alinhados sensivelmente no sentido EO, portanto, segundo um eixo paralelo ao Decumanus máximo (coincidente com a antiga rua do Touro e com uma calçada romana sob a rua dos Infantes) vindo das Portas romanas de Mértola. Este fuste é semelhante ao de 80 a 85 cm de diâmetro que se expõe no pórtico exterior do Museu Regional e a um outro existente no Parque de Materiais do Município. Por outro lado devem juntar-se, a todos estes elementos, as outras cinco cabeças de Touro (da mesma grandeza) mencionadas, em artigos anteriores, como fazendo parte, provável, do entablamento de um edifício romano, mais os dois capitéis compósitos de coluna, um deles proveniente da rua do Touro, datados de fins do século I ou inícios do II (RIBEIRO, 1999, 235-242), e as duas cornijas fragmentadas [6], também da mesma rua, com cerca de 115x45x85 cm, expostas na referida galeria exterior do museu. Na praça de armas do castelo são inúmeros os fragmentos de cornijas, bases e aduelas, provenientes desta área da cidade, entre as ruas dos Infantes e do Touro.
Deve salientar-se que as obras de grande vulto, dos edifícios do município e das finanças, realizadas nos anos cinquenta do século passado, apesar de situadas na área do fórum pacense, quase nada deram de material arqueológico, mas, quando se faz um buraco qualquer entre as ruas dos Infantes e do Touro, o resultado é surpreendente, como vemos. Será que o fórum está mais chegado para esta área, a do quarteirão entre o museu Regional e a praça da República, do que para a que tem sido convencional chamar de fórum, por estar mais de acordo com o “espaço desimpedido” da praça antiga? O templo estudado por Abel Viana, na área compreendida entre a rua da Moeda e o edifício das Finanças, situar-se-ia dentro do fórum ou fora dele? E de que período seria este templo? Teria integrado o fórum augustano, flaviano, outro ou nenhum? As suas estruturas serão de um templo ou corresponderão ao limite externo ocidental do terrapleno do fórum? As respostas são problemáticas, daí a necessidade de se proceder ao estudo integrado e sistemático do centro histórico da cidade [felizmente, a prospecção arqueológica, realizada por Conceição Lopes, nos últimos três anos,já demonstrou que o referido templo, um dos maiores da Hispânia, se situa no fórum, pelo que é de considerar os elementos arquitectónicos que estudamos como parte provável das estruturas de uma entrada monumental].
Julgamos que seria normal posicionar o fórum a partir de um ou dos dois eixos máximos da cidade (o Cardo – eixo NS – e o Decumanus – eixo EO), simultaneamente utilizados para definir a sua malha ortogonal (os arruamentos perpendiculares entre si)[7] . Podemos localizar o Cardo máximo entre a antiga porta romana de Vipasca (a da rua Brito Camacho, Muro baixo ou do Buraco) [8], passando pela torre medieval [9] da Travessa do Cepo, Beco da rua dos Infantes, Torre de Santa Maria em direcção, entre quintais, ao recanto da rua dos Pintores, situado entre as portas de Avis e as de Moura. Vamos contra a hipótese de Vasco Gil Mantas [10] que, julgando romanas as portas de Aljustrel (que eram medievais, demolidas em 1863) imagina a partir delas o Cardo máximo. Parece-nos, contudo, que se este eixo for localizado onde pensamos serve para estruturar melhor, com o auxílio do Decumanus da rua do Touro, o início do fórum (subentendendo que o seu início se observa a partir do lado este ou sudeste, de onde vem o Decumanus das Portas de Mértola, pois há outro, paralelo, que é axial às Portas de Évora e que deve prosseguir, mais ou menos, entre quintais, passando pela igreja de Santa Maria e largo do Ulmo) (11).
O fórum era, normalmente, rectangular e porticado, destinando-se às funções religiosa (templo), política (cúria) e comercial (basílica e mercado). Por exemplo, ao fórum de Trajano (98-117 d. C.), em Roma, acedia-se por um grande arco de triunfo de um só vão e, estamos convictos, que Pax Ivlia teria também uma construção desta natureza, provavelmente do período anterior, dos Flávios: Vespasiano, Tito e Domiciano. Só um grande edifício, bastante sólido, pode ter resistido ao tempo e à incúria dos homens. Uma construção repleta de colunas é mais frágil e sobrevive, naturalmente, menos tempo do que um arco triunfal, construção mais maciça. Nesta perspectiva, o capitel compósito/coríntio d “Os Infantes” deve ter integrado edifício bastante sólido, provavelmente de um só arco assente no lado coríntio, pilastras poderosas e colunas laterais também da ordem compósita (ver tentativa de reconstituição).
A afinidade entre os elementos que compõem esta tentativa de reconstituição tem a ver obviamente com o local onde foram encontrados, a mesma área, o mesmo mármore, de Trigaches/S.Brissos, o mesmo tipo de cinzelado com trabalho de trépano, a mesma escala e a relação coerente entre os diversos elementos que parecem apontar para um mesmo programa construtivo. Assim, tal como já dissemos anteriormente, seguindo as regras de Vitrúvio, de Vignhola e do bom senso [12], temos para as ordens compósita e coríntia a mesma relação entre os elementos arquitectónicos como consta do quadro anexo.
Esta tentativa de reconstituição não será evidentemente a última, pois trata-se de uma achega, deliberada e polémica, em torno das pedras que se vêem nos museus, as quais, no passado, estiveram colocadas num lugar preciso e tiveram o seu significado político, religioso, económico e social. Hoje vemo-las mais como obras de arte. Como desejamos apresentar ainda uma pequena planta da cidade com o posicionamento provável do fórum e uma outra tentativa de reconstituição do arco triunfal, com mais elementos e dispostos de outro modo, abordaremos então a possível relação entre as cabeças de touro, a lápide epigrafada dedicada a Serápis Panteo, deus dos deuses, e o culto mitraico.
1- RIBEIRO, Maria Antonieta Brandão S. – “Capitéis romanos de Beja”. Beja: CMB, 1999. pp. 145-160.
2- Há um terceiro a servir de alicerce na esquina do lado da Epístola da nave da ermida de S. Sebastião, extramuros, reaproveitamento que só demonstra, analogamente ao de muitos outros elementos arquitectónicos, uma necessidade prática e económica, independentemente da distância a que se encontrava a “pedreira” (ruínas do edifício original) que normalmente fornecia o material. Este, mostrámo-lo a Antonieta Ribeiro (1999, 181-185), enquanto os da rua dos Infantes foram alvo de pequeno artigo, em 1983, expresso na nota 3, infra-escrita.
3- BORRELA, Leonel – “Os capitéis romanos da rua dos Infantes”. In “Diário do Alentejo” de 15 de Janeiro de 1983.
4- Remetemos também o leitor para o nosso estudo sobre a época e características funcionais do capitel, particularidades que partilhámos com outros estudiosos bem antes de iniciarmos a Iconografia Pacense, em 1995. Cf. “Restos monumentais de Pax Júlia (IV)” in Diário do Alentejo” de 8 de Maio de 1998.
5- Cabeça que poderá ser a mesma que foi desenhada no “Diário” da viagem a Portugal de Perez Bayer, em 1782 (Cf. Abel Viana in “ Arquivo de Beja”. Ano 1944,Vol.I, p.44), e que meio século antes, em 1734, foi referenciada, como vimos, pelo padre Pedro Pires Nolasco.
6- VIANA, Abel – “Notas Históricas, Arqueológicas e Etnográficas do Baixo Alentejo”. In “Arquivo de Beja”. Beja: CMB, 1956. Vol. XIII, p. 146-147.
7- Característica de racionalidade urbana já utilizada, na Grécia, por Hipódamo de Mileto (séc. V a. C.). Cf. “Arte Romana”. Lisboa: Plátano, 2001. p.30
8- A qual visitámos, parcialmente, depois da autorização concedida pelo senhor Marçal, com o professor doutor Jorge de Alarcão, a quem apresentámos mais tarde (já lá vão uns quinze anos), numa breve troca de correspondência, uma tentativa de reconstituição desenhística das referidas portas romanas que seriam semelhantes às de Mértola, demolidas em 1876.
9- Torre e traçado, cuja localização deve ter muito em comum com a demolida igreja de S. João (templo romano? Cf. “Iconografia Pacense” in “Diário do Alentejo” de 22, 29 de Setembro e 13 de Outubro de 1995). Entre o hipotético templo romano, situado fora do fórum, mas não longe de uma das suas entradas, - talvez da sua principal entrada - e o espaço ocupado pela torre medieval, continuaria o Cardo máximo de Pax Ivlia.
10- MANTAS, Vasco Gil – “Teledetecção, Cidade e Território: Pax Ivlia”. In “Arquivo de Beja”. Beja: CMB, 1996.Vol.I, Série III, p.13.
11- Em trinta anos nunca vimos, em valas abertas nas ruas dr. Aresta Branco e da Capelinha, quaisquer vestígios de calçada romana que pudessem denunciar a presença do Decumanus axial às portas de Évora, ao contrário do que há um ano se pode observar, na antiga rua do Touro, na vala aberta ao longo do passeio que acompanha o cine teatro Pax Júlia.
BORRELA, Leonel - "ICONOGRAFIA PACENSE- II" In Diário do Alentejo 30 Junho 2006
Neste estudo vamos abandonar os capitéis coríntios com representação de folhas de acanto naturalistas, isto é, todos aqueles que apresentam as folhas recortadas e polilobuladas. Referimo-nos sempre aos capitéis maiores, todos em mármore de Trigaches, com cerca de 90 a 105 cm de altura, os quais Antonieta Ribeiro [1] data desde o século I ao II d.C..
Cingir-nos-emos aos seguintes elementos arquitectónicos: aos capitéis coríntios de folhas lisas, especialmente a dois deles [2], um, encontrado no restaurante “Os Infantes”, da rua dos Infantes, em Dezembro de 1982, datado do século III d. C. (RIBEIRO, 1999, 181-185) e o outro, similar, ainda inédito, encontrado na rua do Touro, em Julho de 2005; ao grande capitel compósito/coríntio (caracterização nossa), constituído por dois blocos, também descoberto n”Os Infantes” [3] , em Dezembro de 1982, datado do final do século I ou início do II (RIBEIRO, 1999, 245-256)[4] e à, ainda inédita, cabeça de Touro [5], da rua do Touro, descoberta no mês de Agosto de 2005. Aliamos a estes elementos o fuste fragmentado e liso, de 90 cm de diâmetro por cerca de 180cm de comprimento, que jaz na cave d “Os Infantes” acompanhado de parte de uma estrutura, in situ, de blocos graníticos bem aparelhados, alinhados sensivelmente no sentido EO, portanto, segundo um eixo paralelo ao Decumanus máximo (coincidente com a antiga rua do Touro e com uma calçada romana sob a rua dos Infantes) vindo das Portas romanas de Mértola. Este fuste é semelhante ao de 80 a 85 cm de diâmetro que se expõe no pórtico exterior do Museu Regional e a um outro existente no Parque de Materiais do Município. Por outro lado devem juntar-se, a todos estes elementos, as outras cinco cabeças de Touro (da mesma grandeza) mencionadas, em artigos anteriores, como fazendo parte, provável, do entablamento de um edifício romano, mais os dois capitéis compósitos de coluna, um deles proveniente da rua do Touro, datados de fins do século I ou inícios do II (RIBEIRO, 1999, 235-242), e as duas cornijas fragmentadas [6], também da mesma rua, com cerca de 115x45x85 cm, expostas na referida galeria exterior do museu. Na praça de armas do castelo são inúmeros os fragmentos de cornijas, bases e aduelas, provenientes desta área da cidade, entre as ruas dos Infantes e do Touro.
Deve salientar-se que as obras de grande vulto, dos edifícios do município e das finanças, realizadas nos anos cinquenta do século passado, apesar de situadas na área do fórum pacense, quase nada deram de material arqueológico, mas, quando se faz um buraco qualquer entre as ruas dos Infantes e do Touro, o resultado é surpreendente, como vemos. Será que o fórum está mais chegado para esta área, a do quarteirão entre o museu Regional e a praça da República, do que para a que tem sido convencional chamar de fórum, por estar mais de acordo com o “espaço desimpedido” da praça antiga? O templo estudado por Abel Viana, na área compreendida entre a rua da Moeda e o edifício das Finanças, situar-se-ia dentro do fórum ou fora dele? E de que período seria este templo? Teria integrado o fórum augustano, flaviano, outro ou nenhum? As suas estruturas serão de um templo ou corresponderão ao limite externo ocidental do terrapleno do fórum? As respostas são problemáticas, daí a necessidade de se proceder ao estudo integrado e sistemático do centro histórico da cidade [felizmente, a prospecção arqueológica, realizada por Conceição Lopes, nos últimos três anos,já demonstrou que o referido templo, um dos maiores da Hispânia, se situa no fórum, pelo que é de considerar os elementos arquitectónicos que estudamos como parte provável das estruturas de uma entrada monumental].
Julgamos que seria normal posicionar o fórum a partir de um ou dos dois eixos máximos da cidade (o Cardo – eixo NS – e o Decumanus – eixo EO), simultaneamente utilizados para definir a sua malha ortogonal (os arruamentos perpendiculares entre si)[7] . Podemos localizar o Cardo máximo entre a antiga porta romana de Vipasca (a da rua Brito Camacho, Muro baixo ou do Buraco) [8], passando pela torre medieval [9] da Travessa do Cepo, Beco da rua dos Infantes, Torre de Santa Maria em direcção, entre quintais, ao recanto da rua dos Pintores, situado entre as portas de Avis e as de Moura. Vamos contra a hipótese de Vasco Gil Mantas [10] que, julgando romanas as portas de Aljustrel (que eram medievais, demolidas em 1863) imagina a partir delas o Cardo máximo. Parece-nos, contudo, que se este eixo for localizado onde pensamos serve para estruturar melhor, com o auxílio do Decumanus da rua do Touro, o início do fórum (subentendendo que o seu início se observa a partir do lado este ou sudeste, de onde vem o Decumanus das Portas de Mértola, pois há outro, paralelo, que é axial às Portas de Évora e que deve prosseguir, mais ou menos, entre quintais, passando pela igreja de Santa Maria e largo do Ulmo) (11).
O fórum era, normalmente, rectangular e porticado, destinando-se às funções religiosa (templo), política (cúria) e comercial (basílica e mercado). Por exemplo, ao fórum de Trajano (98-117 d. C.), em Roma, acedia-se por um grande arco de triunfo de um só vão e, estamos convictos, que Pax Ivlia teria também uma construção desta natureza, provavelmente do período anterior, dos Flávios: Vespasiano, Tito e Domiciano. Só um grande edifício, bastante sólido, pode ter resistido ao tempo e à incúria dos homens. Uma construção repleta de colunas é mais frágil e sobrevive, naturalmente, menos tempo do que um arco triunfal, construção mais maciça. Nesta perspectiva, o capitel compósito/coríntio d “Os Infantes” deve ter integrado edifício bastante sólido, provavelmente de um só arco assente no lado coríntio, pilastras poderosas e colunas laterais também da ordem compósita (ver tentativa de reconstituição).
A afinidade entre os elementos que compõem esta tentativa de reconstituição tem a ver obviamente com o local onde foram encontrados, a mesma área, o mesmo mármore, de Trigaches/S.Brissos, o mesmo tipo de cinzelado com trabalho de trépano, a mesma escala e a relação coerente entre os diversos elementos que parecem apontar para um mesmo programa construtivo. Assim, tal como já dissemos anteriormente, seguindo as regras de Vitrúvio, de Vignhola e do bom senso [12], temos para as ordens compósita e coríntia a mesma relação entre os elementos arquitectónicos como consta do quadro anexo.
Portanto, feitas as contas teríamos um edifício com cerca de 14,4m de altura. Se tivesse sido um templo acrescentar-lhe-íamos a altura do frontão triangular; no caso do arco triunfal faltar-lhe-ia ainda o Ático, corpo normalmente paralelipipédico que se sobrepunha ao conjunto, destinado a receber baixos-relevos e inscrições alusivas à finalidade da obra: comemorativa, votiva, etc.. O arco adequado para assentar no capitel coríntio de pilastra, do capitel compósito/coríntio d”Os Infantes”, deverá ter cerca de 5m de diâmetro, medidos no intradorso. A época que propomos para todos os espécimes arqueológicos mencionados é a dos Flávios, final do século I d. C., pois foi o período de maior manifestação da ordem compósita, a mais barroca e exuberante de Roma, a qual deve estar de acordo com as reformas de Vespasiano. Como a maior parte dos investigadores é quase unânime na cronologia proposta para os capitéis compósitos de Beja – finais do século I ou inícios do II - julgamos que será a mesma cronologia, dado o contexto dos achados, para as cabeças de touro, cornijas, fustes lisos e capitéis coríntios de folhas lisas.
Esta tentativa de reconstituição não será evidentemente a última, pois trata-se de uma achega, deliberada e polémica, em torno das pedras que se vêem nos museus, as quais, no passado, estiveram colocadas num lugar preciso e tiveram o seu significado político, religioso, económico e social. Hoje vemo-las mais como obras de arte. Como desejamos apresentar ainda uma pequena planta da cidade com o posicionamento provável do fórum e uma outra tentativa de reconstituição do arco triunfal, com mais elementos e dispostos de outro modo, abordaremos então a possível relação entre as cabeças de touro, a lápide epigrafada dedicada a Serápis Panteo, deus dos deuses, e o culto mitraico.
1- RIBEIRO, Maria Antonieta Brandão S. – “Capitéis romanos de Beja”. Beja: CMB, 1999. pp. 145-160.
2- Há um terceiro a servir de alicerce na esquina do lado da Epístola da nave da ermida de S. Sebastião, extramuros, reaproveitamento que só demonstra, analogamente ao de muitos outros elementos arquitectónicos, uma necessidade prática e económica, independentemente da distância a que se encontrava a “pedreira” (ruínas do edifício original) que normalmente fornecia o material. Este, mostrámo-lo a Antonieta Ribeiro (1999, 181-185), enquanto os da rua dos Infantes foram alvo de pequeno artigo, em 1983, expresso na nota 3, infra-escrita.
3- BORRELA, Leonel – “Os capitéis romanos da rua dos Infantes”. In “Diário do Alentejo” de 15 de Janeiro de 1983.
4- Remetemos também o leitor para o nosso estudo sobre a época e características funcionais do capitel, particularidades que partilhámos com outros estudiosos bem antes de iniciarmos a Iconografia Pacense, em 1995. Cf. “Restos monumentais de Pax Júlia (IV)” in Diário do Alentejo” de 8 de Maio de 1998.
5- Cabeça que poderá ser a mesma que foi desenhada no “Diário” da viagem a Portugal de Perez Bayer, em 1782 (Cf. Abel Viana in “ Arquivo de Beja”. Ano 1944,Vol.I, p.44), e que meio século antes, em 1734, foi referenciada, como vimos, pelo padre Pedro Pires Nolasco.
6- VIANA, Abel – “Notas Históricas, Arqueológicas e Etnográficas do Baixo Alentejo”. In “Arquivo de Beja”. Beja: CMB, 1956. Vol. XIII, p. 146-147.
7- Característica de racionalidade urbana já utilizada, na Grécia, por Hipódamo de Mileto (séc. V a. C.). Cf. “Arte Romana”. Lisboa: Plátano, 2001. p.30
8- A qual visitámos, parcialmente, depois da autorização concedida pelo senhor Marçal, com o professor doutor Jorge de Alarcão, a quem apresentámos mais tarde (já lá vão uns quinze anos), numa breve troca de correspondência, uma tentativa de reconstituição desenhística das referidas portas romanas que seriam semelhantes às de Mértola, demolidas em 1876.
9- Torre e traçado, cuja localização deve ter muito em comum com a demolida igreja de S. João (templo romano? Cf. “Iconografia Pacense” in “Diário do Alentejo” de 22, 29 de Setembro e 13 de Outubro de 1995). Entre o hipotético templo romano, situado fora do fórum, mas não longe de uma das suas entradas, - talvez da sua principal entrada - e o espaço ocupado pela torre medieval, continuaria o Cardo máximo de Pax Ivlia.
10- MANTAS, Vasco Gil – “Teledetecção, Cidade e Território: Pax Ivlia”. In “Arquivo de Beja”. Beja: CMB, 1996.Vol.I, Série III, p.13.
11- Em trinta anos nunca vimos, em valas abertas nas ruas dr. Aresta Branco e da Capelinha, quaisquer vestígios de calçada romana que pudessem denunciar a presença do Decumanus axial às portas de Évora, ao contrário do que há um ano se pode observar, na antiga rua do Touro, na vala aberta ao longo do passeio que acompanha o cine teatro Pax Júlia.
12- MACIEL, M. Justino – “Vitrúvio - tratado de Arquitectura”. Lisboa: IST Press, 2006; VIGNHOLA – “Regras das sinco ordens de architectura”. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1787. pp.53-54, Estampas 1, 3 e 35.
BORRELA, Leonel - "ICONOGRAFIA PACENSE- II" In Diário do Alentejo 30 Junho 2006
Tentativa de reconstituição de parte do alçado principal de uma estrutura romana (Arco Triunfal?) compósito/coríntia integrando alguns dos elementos arquitectónicos encontrados na área situada entre as ruas do Infantes, do Touro, abside de S. João e antiga rua da Torrinha.
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As cabeças de touro da cidade de Beja
Ilustração: planta aproximada de uma das cabeças de touro, a da esquerda, situada na galeria exterior do Museu Regional de Beja, cujo "acervo arquitectónico" romano, entre fuste liso fragmentado, cabeças de touro, capitéis compósitos e cornijas, é quase todo proveniente da área delimitada entre as ruas dos Infantes, do Touro e extremos do Largo da Conceição (entre a ábside da demolida igreja de S. João e a antiga Rua da Torrinha), portanto, provavelmente, do extremo Estesudeste do Forum de Pax Ivlia.
Ver a perspectiva do "friso de ângulo", com as cabeças de touro, na tentativa de reconstituição do post anterior.
No Relatório das Couzas notaveis desta cidade (pelo padre Pedro Pires Nolasco prior de S. João, em 1734), manuscrito da Biblioteca Municipal, constam dados importantíssimos acerca dos túneis que atravessam a cidade; da construção de formigão próxima da igreja do Pé da Cruz, das portas da muralha, etc..
Nas folhas quatro e seguintes podemos ler que «a freguesia de S. João Baptista ocupa a parte ocidental da cidade; tem 620 vizinhos, alguns anos serão menos, passando de seiscentos fogos e duas mil e quinhentas e sessenta e uma almas de sacramento; tem duas confrarias de ordenança a que chamam S. João de fora e S. João de dentro, porque os moradores intramuros têm um capelão e os de fora outro».
A igreja paroquial, situada entre as Ruas do Touro e do Sembrano, é de uma só nave, pavimentada a tijolo, integrando algumas campas de pessoas particulares, enquanto a capela mor, quase toda coberta de campas, tem a sua ousia de pedra feita no ano de 1719. As paredes são de alvenaria e as esquinas de mármore branco, mas muito pequena a respeito de povo e muito tosca. A capela mor é de abóbada pequena e baixa e, pela parte de dentro, tem «arcos de pedra a modo de pernas de aranha» (isto é, tinha nervuras; tinha uma abóbada nervurada e estrelada no intradorso da capela mor), nela está o tabernáculo do Santíssimo Sacramento e no retábulo a imagem de vulto de S. João Baptista titular e principal patrono da igreja; no lado da epístola está a imagem de Santa Maria Madalena, padroeira menor. O arco do cruzeiro é de pedra mármore, todo tosco e antigo - os dois fundamentais (isto é, os pés direitos, as jambas) são duas pequenas e toscas colunas de mármore.
O tecto do corpo da igreja é de madeira, com apainelado largo e frisos, de cerca de 1680; a cobertura é de telha mourisca. Acima do arco da capela mor está colocada uma imagem de Cristo Crucificado de meia grandeza e muito devota; ao lado direito, Nossa Senhora do Pé da Cruz e, ao lado esquerdo, o Santo Evangelista João. Mais acima deste conjunto está um quadro do grande Baptista, representando-o numa floresta, sentado e recostado, junto ao tronco de uma árvore, com um cordeiro do lado esquerdo (um primor de arte, observa o padre Pedro Pires).
A porta principal está ao ocidente e a outra no sul, ao lado da epístola. Tem o corpo da igreja quatro altares mais dois colaterais com seus retábulos dourados ladeando o arco da capela mor. O primeiro da esquerda é o do glorioso S. Braz, bispo e mártir, cuja imagem situada no nicho central está ladeada de S. Luís, bispo, e de Santo António com o Menino; a seguir o altar de S. Vicente Ferrer, ladeado à direita por Santo Agostinho doutor e S. Romao mártir - a imagem de S. Vicente foi colocada na igreja em 1720, à custa do seu grande devoto Agostinho Simões, mercador que foi de roupas inglesas nesta freguesia. Ao lado direito, o altar colateral é o do Sacramento, na sequência do ornato que vem da porta da confraria do S.S. –no meio tem a imagem de Nossa Senhora das Candeias, ladeada pelas imagens de Cristo Nosso Senhor preso à coluna e do Senhor da Cana Verde; o segundo altar quase a meio da nave, em frente ao de S. Vicente Ferrer, é o de Nossa Senhora do O, imagem de glória no meio de uma formosa tribuna entalhada e dourada, com Bula Apostólica de indulgenciar. Entre este altar e o do SS. Sacramento fica o coro donde se reza; e entre este e o altar já nomeado de Nossa e Senhora do O fica o púlpito; e entre o altar do Santíssimo e o altar mor fica a sacristia. Entrando na nave, à esquerda, fica o baptistério, adossando-se-lhe a sacristia da confraria do Santíssimo, com muito suficiente ornato e serviço de prata para os usos das suas funções. A torre sineira, situada à direita da entrada principal, fica saliente à fachada e serve de apoio ao alpendre abobadado, construído em 1719.
Dando para o interior do nartex, embutido na face da torre, está um nicho de pedra fina muito bem lavrada com a imagem de Nossa Senhora da Oliveira, de glória com as mãos postas, de perfeitíssimo feitio com cortinados, mantos e vidraça, porta e lâmpada, tudo com muito custo e muito rico, à custa do devoto dr. padre Xavier Lobo desta cidade e freguesia, no ano de 1728 (julgamos que este nicho é o mesmo, mas sem imagem, que se encontra no pátio do Convento da Conceição, onde também foi reconstruído o presumível portal da demolida igreja paroquial de João).
A folha undécima, fala-nos das «Antigualhas q se achão dispersas nesta freguesia. Nas costas da capela mor da minha igreja, estão duas cabeças de Touro esculpidas em dois grandes mármores, que mostram ser de tempo muito antigo. No frontispício das casas donde mora o padre Manuel Nunez escrivão desta cidade se acha outra semelhante e dentro das mesmas casas se acha sepultado outra figura de um grande boi, e no muro antigo desta cidade e freguesia está outra grande cabeça de Touro […]deviam ser de grande construção, palácio, etc. […] pois que ainda hoje se vê uma cabeça na praça de baixo das janelas da casa da camara desta cidade e outra sobre as portas de Évora». Diz- nos também o padre Pedro Pires Nolasco que só nesta freguesia da cidade se encontram estas coisas, assim tão antigas - «cabeças de boi a que chamam brasão da cidade».
Para a semana que vem tentaremos mostrar, com base: no auto de medição de 1608; na orientação da igreja e nalguns dados fornecidos não só por este manuscrito de 1734, mas também pelo Boletim Municipal de 1919 – 1922, que o edifício, o monumento demolido durante a primeira República, pode ter sido um templo romano reaproveitado1.
****************
Recordamos a parte segunda deste estudo preliminar sobre a igreja de S. João Baptista, vinda a lume na Iconografia Pacense (cerca de 135 crónicas que escrevemos e ilustrámos, desde 1995 até 2000, para o jornal Diário do Alentejo), porque nem as descobertas fortuitas de espécimes arqueológicos de grande qualidade na cidade permitem, autorizam ou legitimam, uma paragem séria e responsável para pensar afinal naquilo que de grave se anda a fazer. Descobre-se qualquer coisa, retira-se essa coisa e tapa-se, tal como fazem a maioria dos empreiteiros (felizmente há excepções). Nem lhes faremos críticas, pois seguem de perto o exemplo oficial. Quanto ao resto, a profunda razão de ser deste lamento - de um cidadão que ama a cidade onde vive - tem a ver de facto com o capitel e a cabeça de touro, descobertos há poucos dias na vala que se abriu ao longo da Rua do Touro, e que o município fez recolher e salvaguardar nas suas instalações como lhe compete. Contudo, julgamos que, pelo teor da crónica que então escrevemos e que aqui de novo reproduzimos, teria sido aconselhável conhecer melhor o contexto arqueológico-histórico dos achados, pois não duvidamos que a cabeça de touro encontrada teve como primeira notícia histórica o texto que reproduzimos do padre Nolasco e que essa notícia aponta para algo mais importante que não distará muito do local da descoberta: o corpo de um touro, a somar às estruturas do edifício do período romano, visíveis no ex-restaurante “Os Infantes”, ao qual provavelmente pertencia.
In Diário do Alentejo de 23 Junho 2006
1 BORRELA, Leonel – “Igreja de S. João Baptista – II”. In Diário do Alentejo. Beja: Associação de Municípios do Distrito de Beja, 29 de Setembro de 1995.
Ver a perspectiva do "friso de ângulo", com as cabeças de touro, na tentativa de reconstituição do post anterior.
No Relatório das Couzas notaveis desta cidade (pelo padre Pedro Pires Nolasco prior de S. João, em 1734), manuscrito da Biblioteca Municipal, constam dados importantíssimos acerca dos túneis que atravessam a cidade; da construção de formigão próxima da igreja do Pé da Cruz, das portas da muralha, etc..
Nas folhas quatro e seguintes podemos ler que «a freguesia de S. João Baptista ocupa a parte ocidental da cidade; tem 620 vizinhos, alguns anos serão menos, passando de seiscentos fogos e duas mil e quinhentas e sessenta e uma almas de sacramento; tem duas confrarias de ordenança a que chamam S. João de fora e S. João de dentro, porque os moradores intramuros têm um capelão e os de fora outro».
A igreja paroquial, situada entre as Ruas do Touro e do Sembrano, é de uma só nave, pavimentada a tijolo, integrando algumas campas de pessoas particulares, enquanto a capela mor, quase toda coberta de campas, tem a sua ousia de pedra feita no ano de 1719. As paredes são de alvenaria e as esquinas de mármore branco, mas muito pequena a respeito de povo e muito tosca. A capela mor é de abóbada pequena e baixa e, pela parte de dentro, tem «arcos de pedra a modo de pernas de aranha» (isto é, tinha nervuras; tinha uma abóbada nervurada e estrelada no intradorso da capela mor), nela está o tabernáculo do Santíssimo Sacramento e no retábulo a imagem de vulto de S. João Baptista titular e principal patrono da igreja; no lado da epístola está a imagem de Santa Maria Madalena, padroeira menor. O arco do cruzeiro é de pedra mármore, todo tosco e antigo - os dois fundamentais (isto é, os pés direitos, as jambas) são duas pequenas e toscas colunas de mármore.
O tecto do corpo da igreja é de madeira, com apainelado largo e frisos, de cerca de 1680; a cobertura é de telha mourisca. Acima do arco da capela mor está colocada uma imagem de Cristo Crucificado de meia grandeza e muito devota; ao lado direito, Nossa Senhora do Pé da Cruz e, ao lado esquerdo, o Santo Evangelista João. Mais acima deste conjunto está um quadro do grande Baptista, representando-o numa floresta, sentado e recostado, junto ao tronco de uma árvore, com um cordeiro do lado esquerdo (um primor de arte, observa o padre Pedro Pires).
A porta principal está ao ocidente e a outra no sul, ao lado da epístola. Tem o corpo da igreja quatro altares mais dois colaterais com seus retábulos dourados ladeando o arco da capela mor. O primeiro da esquerda é o do glorioso S. Braz, bispo e mártir, cuja imagem situada no nicho central está ladeada de S. Luís, bispo, e de Santo António com o Menino; a seguir o altar de S. Vicente Ferrer, ladeado à direita por Santo Agostinho doutor e S. Romao mártir - a imagem de S. Vicente foi colocada na igreja em 1720, à custa do seu grande devoto Agostinho Simões, mercador que foi de roupas inglesas nesta freguesia. Ao lado direito, o altar colateral é o do Sacramento, na sequência do ornato que vem da porta da confraria do S.S. –no meio tem a imagem de Nossa Senhora das Candeias, ladeada pelas imagens de Cristo Nosso Senhor preso à coluna e do Senhor da Cana Verde; o segundo altar quase a meio da nave, em frente ao de S. Vicente Ferrer, é o de Nossa Senhora do O, imagem de glória no meio de uma formosa tribuna entalhada e dourada, com Bula Apostólica de indulgenciar. Entre este altar e o do SS. Sacramento fica o coro donde se reza; e entre este e o altar já nomeado de Nossa e Senhora do O fica o púlpito; e entre o altar do Santíssimo e o altar mor fica a sacristia. Entrando na nave, à esquerda, fica o baptistério, adossando-se-lhe a sacristia da confraria do Santíssimo, com muito suficiente ornato e serviço de prata para os usos das suas funções. A torre sineira, situada à direita da entrada principal, fica saliente à fachada e serve de apoio ao alpendre abobadado, construído em 1719.
Dando para o interior do nartex, embutido na face da torre, está um nicho de pedra fina muito bem lavrada com a imagem de Nossa Senhora da Oliveira, de glória com as mãos postas, de perfeitíssimo feitio com cortinados, mantos e vidraça, porta e lâmpada, tudo com muito custo e muito rico, à custa do devoto dr. padre Xavier Lobo desta cidade e freguesia, no ano de 1728 (julgamos que este nicho é o mesmo, mas sem imagem, que se encontra no pátio do Convento da Conceição, onde também foi reconstruído o presumível portal da demolida igreja paroquial de João).
A folha undécima, fala-nos das «Antigualhas q se achão dispersas nesta freguesia. Nas costas da capela mor da minha igreja, estão duas cabeças de Touro esculpidas em dois grandes mármores, que mostram ser de tempo muito antigo. No frontispício das casas donde mora o padre Manuel Nunez escrivão desta cidade se acha outra semelhante e dentro das mesmas casas se acha sepultado outra figura de um grande boi, e no muro antigo desta cidade e freguesia está outra grande cabeça de Touro […]deviam ser de grande construção, palácio, etc. […] pois que ainda hoje se vê uma cabeça na praça de baixo das janelas da casa da camara desta cidade e outra sobre as portas de Évora». Diz- nos também o padre Pedro Pires Nolasco que só nesta freguesia da cidade se encontram estas coisas, assim tão antigas - «cabeças de boi a que chamam brasão da cidade».
Para a semana que vem tentaremos mostrar, com base: no auto de medição de 1608; na orientação da igreja e nalguns dados fornecidos não só por este manuscrito de 1734, mas também pelo Boletim Municipal de 1919 – 1922, que o edifício, o monumento demolido durante a primeira República, pode ter sido um templo romano reaproveitado1.
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Recordamos a parte segunda deste estudo preliminar sobre a igreja de S. João Baptista, vinda a lume na Iconografia Pacense (cerca de 135 crónicas que escrevemos e ilustrámos, desde 1995 até 2000, para o jornal Diário do Alentejo), porque nem as descobertas fortuitas de espécimes arqueológicos de grande qualidade na cidade permitem, autorizam ou legitimam, uma paragem séria e responsável para pensar afinal naquilo que de grave se anda a fazer. Descobre-se qualquer coisa, retira-se essa coisa e tapa-se, tal como fazem a maioria dos empreiteiros (felizmente há excepções). Nem lhes faremos críticas, pois seguem de perto o exemplo oficial. Quanto ao resto, a profunda razão de ser deste lamento - de um cidadão que ama a cidade onde vive - tem a ver de facto com o capitel e a cabeça de touro, descobertos há poucos dias na vala que se abriu ao longo da Rua do Touro, e que o município fez recolher e salvaguardar nas suas instalações como lhe compete. Contudo, julgamos que, pelo teor da crónica que então escrevemos e que aqui de novo reproduzimos, teria sido aconselhável conhecer melhor o contexto arqueológico-histórico dos achados, pois não duvidamos que a cabeça de touro encontrada teve como primeira notícia histórica o texto que reproduzimos do padre Nolasco e que essa notícia aponta para algo mais importante que não distará muito do local da descoberta: o corpo de um touro, a somar às estruturas do edifício do período romano, visíveis no ex-restaurante “Os Infantes”, ao qual provavelmente pertencia.
In Diário do Alentejo de 23 Junho 2006
1 BORRELA, Leonel – “Igreja de S. João Baptista – II”. In Diário do Alentejo. Beja: Associação de Municípios do Distrito de Beja, 29 de Setembro de 1995.
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