segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O grande capitel adossado compósito/coríntio de PAX IVLIA e a sua contextualização arqueológica

ICONOGRAFIA PACENSE

O grande capitel adossado compósito/coríntio de PAX IVLIA e a sua contextualização arqueológica


Espécime único do espólio arqueológico do Museu Regional de Beja (MRB), o grande capitel adossado compósito/coríntio (designação nossa) d”Os Infantes”, constituído por dois blocos marmóreos sobrepostos, com as dimensões máximas de 1m de altura, por 1,7m de largura e 1,6m de profundidade, é não só um dos maiores capiteis do Império Romano como associa, esculpidos no mesmo elemento arquitectónico, as ordens compósita e a coríntia, particularidade que lhe confere maior raridade. Desde a sua descoberta fortuita, em 1982 - com artigo nosso publicado neste jornal, em 1983[1], levantamento desenhístico, fotográfico e acompanhamento permanente até à sua exposição pública nas arcadas exteriores do MRB - que dedicamos uma atenção especial não só ao seu contexto arqueológico como também a todos os achados que antes ou depois se realizaram nas proximidades.
Como veremos, as características dos diferentes achados, situados entre as ruas do Touro, dos Infantes, antiga da Torrinha e abside da igreja de S. João Baptista[2], aliadas às referencias setecentistas sobre a quantidade e qualidade dos materiais encontrados, permitem-nos avançar, seguramente, para algo de comum entre a maioria deles. Os dados não mentem. Se na rua dos Infantes nº 16, em 1982, além do supracitado capitel, se encontrou um outro, coríntio de folhas lisas, semelhante ao que, também fortuitamente, se descobriu, em Agosto de 2005, na Rua do Touro, logo seguido de uma espectacular cabeça de touro, semelhante às duas que se expõem no MRB, provenientes da abside de S. João, à da torre sineira camarária e a uma outra mais mutilada embutida numa torre da muralha da rua capitão João Francisco de Sousa, na mesma freguesia, a somar ainda a um fragmento significativo de outra cabeça similar, oriunda do antigo Paço Episcopal, em Maio de 1995, parece haver um fio condutor a ligar todos estes elementos provavelmente num programa construtivo. No local onde se descobriu o grande capitel adossado compósito/coríntio, lá ficaram in situ blocos aparelhados, justapostos, do que poderá ser parte do pódium do edifício que o integrava, ao lado subsiste um grande fragmento de fuste liso com cerca de 85 a 90cm de diâmetro (semelhante ao do MRB), cuja função seria a de suportar um capitel pleno, de coluna, portanto, talvez, um dos grandes capiteis compósitos como os dois encontrados na Rua do Touro e nas Portas de Aljustrel (também expostos no museu). A somar a estes elementos arquitectónicos, conserva o MRB duas grandes cornijas encontradas na rua do Touro[3], assim como restam ainda na praça de armas do castelo alguns troços de maior dimensão de um entablamento com trabalho de cinzel semelhante. Em suma, o edifício que integrasse o todo ou somente uma parte deste espólio, deveria ser grandioso, significativo dada a grandeza dos elementos utilizados, provavelmente um Arco de Triunfo, cuja tentativa de reconstituição já ensaiámos, posicionado no extremo leste do fórum. Contudo, esse ensaio integrou somente os capiteis compósitos, compósito/coríntio, as cabeças de touro como elementos de friso e as cornijas, além dos fustes e há outras possibilidades de “encaixe” destes elementos e dos capiteis coríntios de folhas lisas, se não num Arco de Triunfo, pelo menos num edifício ainda não identificado, a Cúria ou o Capitólio.
Do templo recentemente redescoberto - nas prospecções do fórum romano realizadas por Conceição Lopes, avaliado como um dos maiores da península hispânica, para grande satisfação dos bejenses e da importância histórica de Pax Júlia - é que não devem ser os elementos que referimos, cujo contexto nos parece, até pelo seu estado de conservação, substancialmente diferente. Não é de estranhar a “limpeza” que durante centenas de anos tomou conta da pedreira em que os vindouros (nomeadamente desde a ocupação islâmica à presença cristã, de Leão e portuguesa) transformaram a envolvência do templo, pois muito deve ter sido o que se construiu e destruiu, desde a muralha aos edifícios religiosos e civis, num tempo em que a cidade mudava de mãos com frequência.
Regressando ao capitel compósito/coríntio, no propósito de mostrar ao leitor, não uma nova tentativa de reconstituição da sua funcionalidade, que ficará para a próxima semana, mas um edifício real onde um capitel totalmente compósito, com características algo semelhantes, assenta sobre pilares e colunas, integrando a Porta de Adriano em Éfeso, na Turquia. A partir daqui podemos imaginar melhor a monumentalidade do edifício romano de Beja então existente entre as ruas do Touro e dos Infantes.
Para finalizar, o grande capitel bejense apresenta pormenores notáveis na sua concepção, além de juntar dois estilos distintos, o compósito e o coríntio, distintos até na proporção adequada a cada uma das ordens arquitectónicas. A compósita é a de maior notoriedade, numa espécie de barroco romano, maior volumetria e expressão plástica, tudo é grandioso, para se ver de longe, frontalmente, na parte da pilastra adossada, enquanto o meio capitel, à esquerda, expande e horizontaliza os óvulos do equino para que se possam observar de um ângulo inferior, mais próximo (detalhe que nos ajuda a perceber melhor a sua posição quase exacta no edifício); por outro lado, a economia de meios, própria da praxis romana, permite que se ganhe tempo e dinheiro, deixando somente esboçados, por vezes lisos, os pormenores que não se distinguem do solo. Do lado coríntio, o capitel de pilastra adossado tem menor altura, correspondendo a uma área de proporção diferente, como dissemos, no mesmo edifício, apresentando também, próximo da junção com os blocos de encaixe na parede, elementos decorativos, folhas, caules, hélices,  rosetas, por concluir, dada a penumbra que no local de origem os envolvia. Esclarece-se também o leitor que este extraordinário capitel é datável do final século I d. C. , da dinastia dos Flávios, conforme cronologia proposta por Antonieta Ribeiro[4].

Nota: Publicado no jornal  Diário do Alentejo em 3 de fevereiro de 2012.



Leonel Borrela



[1] BORRELA, Leonel –“Os capiteis romanos da rua dos Infantes”. In “Diário do Alentejo” de 15 de Janeiro de 1983; “Restos Monumentais de Pax Júlia (IV), In “Diário doAlentejo” de 8 de Maio de 1998;
[2] BORRELA, Leonel – “Igreja de São João Baptista I, II e III”, in Diário do Alentejo de 22 e 29 de Setembro e 13 de Outubro de 1995; “Iconografia Pacense” - Exposição Documental do autor realizada, no Museu Regional de Beja, entre Dezembro de 1995 e Janeiro de 1996. Edição de pequeno folheto.

[3] VIANA, Abel – “Notas históricas, arqueológicas e etnográficas do Baixo-Alentejo”. In”Arquivo de Beja”. Beja: CMB, 1956. Vol. XIII, p.146-147.
[4] RIBEIRO, Maria Antonieta Brandão S. – “Capiteis romanos de Beja”. Beja: CMB, 1999. pp.145-160

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