ICONOGRAFIA PACENSE
O grande capitel adossado compósito/coríntio de PAX IVLIA e a sua
contextualização arqueológica
Espécime único do espólio arqueológico do Museu Regional de Beja (MRB), o
grande capitel adossado compósito/coríntio
(designação nossa) d”Os Infantes”, constituído por dois blocos marmóreos
sobrepostos, com as dimensões máximas de 1m de altura, por 1,7m de largura e
1,6m de profundidade, é não só um dos maiores capiteis do Império Romano como
associa, esculpidos no mesmo elemento arquitectónico, as ordens compósita e a
coríntia, particularidade que lhe confere maior raridade. Desde a sua
descoberta fortuita, em 1982 - com artigo nosso publicado neste jornal, em 1983[1],
levantamento desenhístico, fotográfico e acompanhamento permanente até à sua
exposição pública nas arcadas exteriores do MRB - que dedicamos uma atenção
especial não só ao seu contexto arqueológico como também a todos os achados que
antes ou depois se realizaram nas proximidades.
Como veremos, as características dos diferentes achados, situados entre
as ruas do Touro, dos Infantes, antiga da Torrinha e abside da igreja de S.
João Baptista[2], aliadas às referencias
setecentistas sobre a quantidade e qualidade dos materiais encontrados,
permitem-nos avançar, seguramente, para algo de comum entre a maioria deles. Os
dados não mentem. Se na rua dos Infantes nº 16, em 1982, além do supracitado capitel,
se encontrou um outro, coríntio de folhas lisas, semelhante ao que, também
fortuitamente, se descobriu, em Agosto de 2005, na Rua do Touro, logo seguido
de uma espectacular cabeça de touro, semelhante às duas que se expõem no MRB,
provenientes da abside de S. João, à da torre sineira camarária e a uma outra
mais mutilada embutida numa torre da muralha da rua capitão João Francisco de
Sousa, na mesma freguesia, a somar ainda a um fragmento significativo de outra
cabeça similar, oriunda do antigo Paço Episcopal, em Maio de 1995, parece haver
um fio condutor a ligar todos estes elementos provavelmente num programa
construtivo. No local onde se descobriu o grande capitel adossado
compósito/coríntio, lá ficaram in situ blocos aparelhados, justapostos, do que
poderá ser parte do pódium do edifício que o integrava, ao lado subsiste um
grande fragmento de fuste liso com cerca de 85 a 90cm de diâmetro
(semelhante ao do MRB), cuja função seria a de suportar um capitel pleno, de
coluna, portanto, talvez, um dos grandes capiteis compósitos como os dois
encontrados na Rua do Touro e nas Portas de Aljustrel (também expostos no museu).
A somar a estes elementos arquitectónicos, conserva o MRB duas grandes cornijas
encontradas na rua do Touro[3],
assim como restam ainda na praça de armas do castelo alguns troços de maior
dimensão de um entablamento com trabalho de cinzel semelhante. Em suma, o
edifício que integrasse o todo ou somente uma parte deste espólio, deveria ser
grandioso, significativo dada a grandeza dos elementos utilizados,
provavelmente um Arco de Triunfo, cuja tentativa de reconstituição já
ensaiámos, posicionado no extremo leste do fórum. Contudo, esse ensaio integrou
somente os capiteis compósitos, compósito/coríntio, as cabeças de touro como
elementos de friso e as cornijas, além dos fustes e há outras possibilidades de
“encaixe” destes elementos e dos capiteis coríntios de folhas lisas, se não num
Arco de Triunfo, pelo menos num edifício ainda não identificado, a Cúria ou o
Capitólio.
Do templo recentemente redescoberto - nas prospecções do fórum romano
realizadas por Conceição Lopes, avaliado como um dos maiores da península
hispânica, para grande satisfação dos bejenses e da importância histórica de
Pax Júlia - é que não devem ser os elementos que referimos, cujo contexto nos
parece, até pelo seu estado de conservação, substancialmente diferente. Não é
de estranhar a “limpeza” que durante centenas de anos tomou conta da pedreira
em que os vindouros (nomeadamente desde a ocupação islâmica à presença cristã,
de Leão e portuguesa) transformaram a envolvência do templo, pois muito deve
ter sido o que se construiu e destruiu, desde a muralha aos edifícios
religiosos e civis, num tempo em que a cidade mudava de mãos com frequência.
Regressando ao capitel compósito/coríntio, no propósito de mostrar ao
leitor, não uma nova tentativa de reconstituição da sua funcionalidade, que
ficará para a próxima semana, mas um edifício real onde um capitel totalmente
compósito, com características algo semelhantes, assenta sobre pilares e
colunas, integrando a Porta de Adriano em Éfeso, na Turquia. A partir daqui
podemos imaginar melhor a monumentalidade do edifício romano de Beja então
existente entre as ruas do Touro e dos Infantes.
Para finalizar, o grande capitel bejense apresenta pormenores notáveis na
sua concepção, além de juntar dois estilos distintos, o compósito e o coríntio,
distintos até na proporção adequada a cada uma das ordens arquitectónicas. A
compósita é a de maior notoriedade, numa espécie de barroco romano, maior
volumetria e expressão plástica, tudo é grandioso, para se ver de longe,
frontalmente, na parte da pilastra adossada, enquanto o meio capitel, à
esquerda, expande e horizontaliza os óvulos do equino para que se possam
observar de um ângulo inferior, mais próximo (detalhe que nos ajuda a perceber
melhor a sua posição quase exacta no edifício); por outro lado, a economia de
meios, própria da praxis romana, permite que se ganhe tempo e dinheiro,
deixando somente esboçados, por vezes lisos, os pormenores que não se
distinguem do solo. Do lado coríntio, o capitel de pilastra adossado tem menor
altura, correspondendo a uma área de proporção diferente, como dissemos, no
mesmo edifício, apresentando também, próximo da junção com os blocos de encaixe
na parede, elementos decorativos, folhas, caules, hélices, rosetas, por concluir, dada a penumbra que no
local de origem os envolvia. Esclarece-se também o leitor que este
extraordinário capitel é datável do final século I d. C. , da dinastia dos
Flávios, conforme cronologia proposta por Antonieta Ribeiro[4].
Nota: Publicado no jornal Diário do Alentejo em 3 de fevereiro de 2012.
Leonel Borrela
[1] BORRELA, Leonel –“Os
capiteis romanos da rua dos Infantes”. In “Diário do Alentejo” de 15 de Janeiro
de 1983; “Restos Monumentais de Pax Júlia (IV), In “Diário doAlentejo” de 8 de
Maio de 1998;
[2] BORRELA, Leonel – “Igreja
de São João Baptista I, II e III”, in Diário
do Alentejo de 22 e 29 de Setembro e 13 de Outubro de 1995; “Iconografia
Pacense” - Exposição Documental do autor realizada, no Museu Regional de Beja, entre
Dezembro de 1995 e Janeiro de 1996. Edição de pequeno folheto.
[3] VIANA, Abel – “Notas
históricas, arqueológicas e etnográficas do Baixo-Alentejo”. In”Arquivo de Beja”.
Beja: CMB, 1956. Vol. XIII, p.146-147.
[4] RIBEIRO, Maria Antonieta
Brandão S. – “Capiteis romanos de Beja”. Beja: CMB, 1999. pp.145-160
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