Um Arco Triunfal
romano entre as ruas dos Infantes e do Touro?
Não é novidade esta abordagem ao património arqueológico romano da
vetusta Pax Júlia[1]. No artigo anterior
destacámos a singularidade do grande capitel adossado compósito/coríntio,
descoberto, em 1982, n”Os Infantes”, na rua dos Infantes nº 16. Comparámo-lo ao
capitel compósito de coluna, pilastra e meia coluna, da porta romana de Adriano
(séc. II), na cidade de Éfeso, Turquia, desenho que agora reproduzimos para que
se possa compreender melhor a tentativa de reconstituição que apresentamos de
um provável Arco de Triunfo que estaria situado no extremo nascente do fórum de
Pax Julia. O contexto arqueológico em que nos baseamos é composto pelos
elementos arquitectónicos romanos encontrados entre as ruas dos Infantes (1),
do Touro nº15 (2 e 3) e da Torrinha (4), da abside de S. João (5) e das portas
medievais de Aljustrel (6). Não há espaço suficiente para reproduzir neste
artigo as fotos ou desenhos de todos os achados, mas vamos recordá-los numa breve
descrição com a ajuda da planta parcial da cidade.
Do centro da planta, em 1, é proveniente o grande capitel adossado
compósito/coríntio, constituído por dois blocos sobrepostos, datável segundo
Alarcão (1986, 82)[2] e Antonieta Ribeiro (1999,
145-160)[3] do
final do século I ou inicio do II, realçando o professor a relação estilística
e até temporal com o Arco de Triunfo de Tito, em Roma, também do final do
século I, embora venha a atribuir a um templo ou a uma basílica a utilização dos capiteis compósitos,
conforme a sua dimensão. Portanto, em 1,
além do grande capitel, encontrou-se um outro de coluna com a altura de 60 cm , da ordem coríntia, com
folhas lisas (exposto ao lado do balcão do ex-café-concerto “Os Infantes”),
datado do final do século III (RIBEIRO, 1999, 181-185), enquanto na sala
“subterrânea”, onde foram descobertos, subsistem o troço de um fuste liso com
cerca de 85 cm
de diâmetro e estruturas de opus quadratum aparentemente in situ; em 2, na rua do Touro, recolheram-se, em Agosto de 2005,
próximo dos números de polícia 15 e 13, um capitel de folhas lisas coríntio,
semelhante ao d “Os Infantes” e uma cabeça de Touro muito bem cinzelada
(salvaguardadas no castelo), semelhante às duas que se encontravam embutidas na
abside da igreja de são João Baptista (5), actualmente expostas no Museu
Regional; em 3, na rua do Touro e em 6, nas portas medievais de Aljustrel,
encontraram-se os outros dois grandes capitéis compósitos de coluna, também
expostos no museu regional e, por último, em 4, no inicio da parte superior da
já desaparecida rua da Torrinha, dois grandes fragmentos de cornija, de
trabalho plástico semelhante ao dos capitéis compósitos.
Julgamos que, além da evidente relação de proximidade entre os achados -
o mais distante, encontrado às portas de Aljustrel, é o capitel compósito menos
bem conservado, adaptado a grande pia (devem-no ter levado a rebolar, desde o
extremo do fórum, até ao local da sua última aplicação) - há também uma
afinidade plástica na sua elaboração.
Igualmente, a toponímia do Touro e os achados respectivos – cabeças de
touro (incluindo as que estavam na abside da igreja, orientada para a rua do
Touro, aparentemente uma das vias principais, o Decumanos, da cidade romana),
capitel coríntio de folhas lisas e o capitel compósito – revelam um contexto
arqueológico de grande importância já denunciado pelo pároco de S. João
Baptista, Pedro Pires Nolasco, em meados do século XVIII, quando afirmava que
só na sua freguesia havia tantas coisas antigas, como as colunas do arco de cruzeiro
da igreja, as cabeças de touro, fustes, etc.
Dada a relação contextual que propomos para estes espécimes
arqueológicos, há que acertar a datação dos capiteis coríntios de folhas lisas,
associados às cabeças de Touro, às cornijas e aos capitéis compósitos e
compósito/coríntio, para o final do século I da nossa era, cronologia do
grandioso monumento romano a que provavelmente pertenciam.
A título de curiosidade e, pelo menos, para que se recorde, nestes dias
de grande afã arqueológico[4], em
Beja, localizamos na planta parcial, em baixo, à direita das portas romanas de
Vipasca (antiga rua do Buraco, do Muro Baixo e actual dr Brito Camacho), umas
estruturas romanas, formadas por grandes blocos almofadados sobrepostos, que
nos parecem ser os pés direitos de outra porta pacense[5].
Leonel Borrela
[1] Desde 1983,foram vários os
artigos que publicámos sobre achados arqueológicos e tentativas de
reconstituição arquitectónica de Pax Júlia, nomeadamente na rubrica
“Iconografia Pacense” , in Diário do
Alentejo de 15 de Janeiro de 1983;
22, 29 Setembro e 13 de Outubro de 1995; 30 de Junho e 7 de Julho de 2006; 17 de Julho de 2009,
entre dezenas de outros, consultáveis através do banco de dados da Biblioteca
Municipal de Beja José Saramago.
[2] ALARCÃO, Jorge de –“Arquitectura
romana”, in História da Arte em Portugal,
Lisboa: Publicações Alfa, 1986. Vol.1, p82
[3] RIBEIRO, Maria Antonieta
Brandão S. – “Capiteis romanos de Beja”, Beja: CMB, 1999.
[4] Decorre o Colóquio
“Beja/Imagens da cidade antiga”, entre 9 e 10 de Fevereiro de 2012.
[5] “Porta romana inédita em Beja” in Diário do Alentejo ,27 de Outubro de
2006.
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